Textos e Poesias

Noite de Jampa

Céu com nuvens.
Lua escondida.

E o luar,
teimoso,
esgueirando-se através do nublado da noite,
carrega os pingos prateados
da chuva
para dentro das poças
aprisionadas
no calçamento desajeitado
da antiga cidade.

João Pessoa
27/11/2023.

Mini Conto

Ele virá amanhã

                        Ao vê-lo naquele trem que cortava a Toscana, sentiu que havia encontrado o amor. Estava entre Pisa e Florença num carril a diesel, viajando na segunda classe. O espaçamento entre os assentos, com a mesinha no meio, permitia uma melhor visibilidade entre os passageiros. Ela, na 13C, corredor, encontrava o olhar perpendicular dele na 14A, janela. Esse joguete cruzado de olhares acompanhou os dois por vários quilômetros. O primeiro deles ocorreu quando ela tirou a vista da sua revista e a conduziu à janela, de onde ele já a encarava. Ela baixou o rosto, mas sempre voltava a buscar aquele flerte. A emoção aumentava toda vez que ela, solteira, temia ser flagrada pela dama que o acompanhava na viagem. Ela cortava o olhar e assim que sentia segurança voltava a implorar-lhe aquele encontro faiscante. Riram. Menearam cabeças e mãos. Mas não puderam se falar. O coração dela estava completamente envolto em toda aquela magia.

            O trem parou em Florença e ela esperou todos descerem. Ele também, com sua acompanhante. Foram os últimos a saltar do terceiro vagão. Ele, dois passos à frente, segurou na mão da mulher ao seu lado, olhou para trás como se quisesse dizer-lhe algo, mas perdeu-se entre os transeuntes da estação lotada.

            Ela decidiu que o teria. Que o encontraria. Que casaria com ele. E passou a estar todos os dias na mesma plataforma, esperando ele descer do trem. E passaram-se trinta e cinco anos. Hoje ele não veio, de novo. Mas amanhã ele pode vir.

Haicai

A teia da aranha

Coberta do orvalho argênteo

Oculta a armadilha.

Mini Conto

À sua sombra

Ela estava chorando sentada debaixo de um arbusto envergado pelo vento. Eu me aproximei com cuidado e lhe estendi o cantil. Uma gentileza para uma região tão árida e quente como o cariri. Por que ela aceitou eu me atrevi a sentar-me por perto, pegando também um abrigo que aliviasse por uns instantes o peso escaldante do sol sobre meus ombros. A jovem de uns vinte e poucos anos não se assustou com minha presença de surpresa por aquelas bandas.

Enxugando algumas lágrimas ela me disse que chorava por conta do seu noivo. Contou-me que eles se amavam e que casariam dentro de dois anos, se a anomalia não houvesse evoluído tão rápido e tão repentinamente tivesse ceifado a vida dele. Ele faria 27 anos em setembro. Não deu tempo.

Haviam se conhecido ainda adolescentes e desde o primeiro encontro juraram viver um para o outro. Ela precisou estudar na capital, João Pessoa, mas voltava à fazenda nas duas férias do ano. Ele não podia sair. De origem humilde, era o trabalho xucro dele com o gado que sustentava a família, visto que o pai havia molestado a lombar e estava imprestável para a lida. E ele trabalhou até o dia em que se foi. Há dois anos descobriu uma hérnia abdominal, dentro estourou uma semente que ele havia comido… Ela enraizou entre suas entranhas, enteceu todos os seus órgãos internos e quando chegou ao coração, matou-o. Está enterrado aqui e nos dá esta sombra.

Mini Conto

Setembro doido

Dona Laura, no carro estacionado na porta do prédio do instituto de seguridade, esperava seu Juvenal. Fazia três horas, mais ou menos, que ele havia entrado para dar prova de vida. Procedimento rotineiro para ele, mas a cada ano mais difícil devido às limitações dos seus 76 anos. Além do infortúnio da viagem daquele velho vaqueiro do sítio Navio até a agência na feira, ainda tinha a espera pela abertura do expediente dos funcionários e a demora do chamamento das fichas de atendimento. 

            Sentado naquelas cadeiras de plástico azul, seu Juvenal, sentindo frio em pleno mês de primavera, ouvia o converseiro sem fim de todos aqueles candidatos a vivos naquele dia.

            — Eita, mundo velho mudado. Pleno mês de setembro e chovendo. Onde já se viu? Ainda ontem seu Antonio, que aluga ônibus para a praia, disse a mim que levou um prejuízo de mais de dois mil e quinhentos Reais porque muita gente que ia com ele, de Campina para a praia em João Pessoa, desistiu da viagem. – Disse um senhor que batia o boné molhado nas pernas pretas da cadeira onde estava.

            Outro retrucou:

            — E quem já viu se usar guarda-chuva depois do mês das cobras? Eu tô entrando nos 80 e nunca tinha sentido frio nesse mês.

            Seu Juvenal, enrolando a ficha de papel nos dedos, prestava atenção à conversa toda. Mas caririzeiro fala muito pouco. Quase nada. Como ninguém lhe dirigiu a palavra diretamente, ele também não se atreveu. Provou que ainda estava vivo e voltou para o carro. Tinha a lida do gado pra cuidar. Chegou no carro, sentou-se no banco traseiro ao lado de Dona Laura e o motorista deu partida.

            — E lá? – Indagou a mulher.

            — Faltou um documento de luz. Oh setembrim agosteado. Homi, outubreie logo, ou novembrei de vez! – Desabafou ele depois dessa viagem perdida de hoje.

Haicai

Olho no relógio
O outro olho na estrada
Hora da partida